A atleta Valdileia Martins, 35, tornou-se nacionalmente conhecida ao classificar-se para a final olímpica do salto em altura no último dia 2 de agosto. Durante a prova classificatória, ela saltou 1,92m, marca que igualou o recorde nacional brasileiro. No entanto, o esforço terminou por provocar uma entorse em seu tornozelo esquerdo, e ela deixou a pista carregada. A lesão não permitiu que Valdileia disputasse a final, que aconteceu no domingo, 4 de agosto.
Ela chegou a tentar iniciar a corrida para dar o primeiro salto, mas as dores não lhe permitiram continuar. Mesmo assim, sua participação na Olimpíada de Paris é a consagração de uma trajetória de muita garra, que teve início num assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e que é tão inspiradora quanto o resultado final. Acompanhando de perto esta trajetória, e contribuindo de forma importante para ela, está seu treinador, o professor aposentado de educação física da Unesp Dino Cintra.
Valdileia destacou-se logo no primeiro dia das provas de atletismo dos Jogos de Paris. O fato de aos 35 anos — idade avançada para a prática de esporte de alto rendimento — ter conseguido saltar 1m92, e igualar um recorde brasileiro estabelecido ainda em 1989 por Orlane Maria dos Santos, já bastaria para que ela se destacasse na história do atletismo brasileiro. “A Valdileia diz que nasceu para bater esse recorde porque essa marca foi estabelecida no ano em que ela nasceu”, brinca o treinador.
Depois de quase 30 anos dedicados às aulas de atletismo do curso de Educação Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia, no campus de Presidente Prudente, Cintra se desligou da Universidade e investiu na carreira de treinador de alto rendimento. Atualmente é treinador de salto da equipe de atletismo da Orcampi, que figura entre as três melhores do país, e tem Valdileia como uma de suas atletas. Ambos começaram a trabalhar juntos em 2018, mas não é exagero dizer que o dedo do treinador está presente no desenvolvimento da atleta brasileira desde quando ele ainda era professor da Unesp.
Ao longo de sua carreira como professor universitário em uma cidade com longa tradição no atletismo, Cintra sempre foi um entusiasta do esporte. Entre suas principais realizações em prol da modalidade, durante sua atuação docente, está um projeto de extensão universitária que produziu campeões sul-americanos e uma medalhista de ouro na prova do heptatlo nos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara, em 2011, Lucimara Silvestre. E ele orientou a monografia de conclusão de curso de André Domingos, que foi aluno do curso de Educação Física e fez história no esporte como ganhador da medalha de prata no revezamento 4×100 em Sydney-2000.
Docente dedicado e querido pelos alunos, a ponto de ter sido por 17 vezes escolhido patrono da turma, Cintra sempre esteve ciente de que as condições para a prática esportiva com que seus alunos precisariam lidar quando formados nem sempre seriam as melhores. Por conta disso, em suas aulas, além de ensinar as técnicas da modalidade, ensinava também alguns “quebra-galhos” que poderiam ajudar os estudantes a superarem as adversidades em seus futuros postos de trabalho.Entre os macetes disponíveis no repertório do professor da Unesp estava o uso de varas de bambu para serem usadas como sarrafos para as provas de salto, e uma engenharia que combinava pilhas de pneus velhos e sacos cheios de palha de arroz para substituir os colchões que amortecem a queda dos atletas.
Trabalhando apenas com o atletismo, Cintra é um treinador especializado em saltos (altura, distância e com vara) e provas combinadas, como o decatlo e heptatlo. Entre todas essas modalidades, contudo, a que o ex-professor da Unesp considera mais difícil é o salto em altura. “Se você olhar o salto com vara, por exemplo, ele é difícil de ser executado, mas o atleta só perde a visão do sarrafo no movimento de reversão do corpo. No salto em altura, por outro lado, assim que o atleta bate o pé da impulsão ele já não vê mais o sarrafo. A partir daí é tudo perceptivo. O atleta precisa jogar o centro de gravidade para o alto e sentir o momento exato de erguer a cintura e as pernas”, esclarece o treinador.
O treinador lamenta não ter sido convocado pela Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) para acompanhar Valdileia em Paris, ainda assim manteve contato com a atleta pelo telefone durante as competições. “Eu assistia à prova pela TV e imediatamente passava as orientações para um técnico da CBAt que estava no local. Mas ela foi para as Olimpíadas muito bem preparada, sabia o que tinha que fazer. Não precisava de mim, não”, brinca.
Para o treinador, a campanha na França mudou a vida dele e de Valdileia completamente. Cintra afirma que recebeu os parabéns e ganhou o reconhecimento de pessoas que até pouco tempo atrás não acreditavam no seu trabalho. Já a atleta viu o número de seguidores no Instagram aumentar de dois mil para 200 mil seguidores, além de ganhar projeção nacional. “Acredito que esse resultado pode fazer com que as meninas mais jovens se interessem em praticar o salto em altura. Quem sabe assim o recorde da Valdileia não leve outros 35 anos para ser quebrado”, diz.